7.1.02
Tesão à flor da pele.
Eu sempre tive dúvidas a respeito do que era maior em mim: se meu talento ou se meu ego.
Mas agora tenho certeza: é meu talento.
Hoje é vinte e oito de fevereiro. Dormi na rede, lendo Kafka, o segundo capítulo do Castelo. Me acordo, num primeiro movimento, ouvindo Ludwig — luminoso, como a lua, claro. Dormi na rede amarela, e agora me acordo com uma frase na cabeça, quase na ponta da língua: "Ela é um buraco negro". Não sei a quem me referia, se é que podia estar me referindo a alguém, em particular. Talvez estivesse apenas falando a última frase de um sonho — do qual fui tirado pelo vento que me sopra, me infla, me inspira. Talvez me referisse à Vida, à minha Vida, pois sou um verdadeiro buraco negro — eu atraio, mesmo sem querer, toda a luz do dia. É com ela que torno as minhas noites mais brilhantes. Meus amores, todos, sabem disso: eles não me deixam me amar sozinho.
(Nem mentir.)
Levanto, lavo o rosto, olho-me no espelho, dou uma sapeada no Retrato do artista quando jovem, como um pedacinho de chocolate puro, negro, amaro, e sento-me aqui, onde espero Fernanda, aquela dos olhos azuis. Olho lá fora, o mar continua bem. A piscina parece um espelho, refletindo o céu risonho, e eu, de novo, refletindo minha alma. Pego meu caderninho de capa verde, e vejam o que ontem escrevi, com caneta bic, nos momentos em que fiquei na rede, antes de dormir.
Primeiro, uma frase curta:
Para ser fiel ao que penso, tenho que mudar sempre de idéia.
Em seguida, um pequeno ensaio:
"Se, algum dia, tentar viver como ser humano comum — estarei sendo falso. Não nasci para ser normal. Tenho duas asas no meu cérebro, dois corações entusiasmados, e minha alma, que tem cara de amante, é uma puta que se chama Liberdade. Absoluta!"
Depois, pensando em mim: "Às vezes, tenho que espatifar uma verdade, só para poder comê-la em pedacinhos".
Em seguida, pensando em Janaína, Joelma, Luciane, Denise, Suzana, Joyce Ann (e em você, que não devo ainda dizer o nome), com nítida consciência de ser um homem de sorte, escrevi:
Seu órgão mais profundo é sua pele. Quando arrepiada, deixa-me louco. Quando não arrepiada, eu mesmo faço as loucuras para que se arrepie de amor por mim. Ao deslizar a pontinha do meu dedo mínimo naquela parte da sua pele que recobre os seios, deliro. Então vou descendo, como cavalgasse meu dedo amante, ousado, alcanço-lhe o umbigo, tomo fôlego em seu regato, desço correndo para o monte de Vênus, me perco nessa floresta de pêlos e sussurros, atinjo suas coxas, mais ainda, seus joelhos. Nesse ponto, minha língua portuguesa toca-lhe os mamilos trêmulos, pontudos — e então me descanso, a boca perplexa nos seios dela, como o líder de uma caravana que repousa à sombra de um cipreste, apaixonado, no sopé de uma montanha de amor.
Fico pensando:
"Sua pele é a coisa mais profunda que já pude penetrar".
(Este é o capítulo 48 do meu novo livro "Solidão a Mil") - Edson Marques