9.7.04

O maior amante do Mundo.

Sinto-me Leonardo, hoje.
Noite de outubro do ano passado, Guarujá, SP.
Chove.
Diz ela que tem dezessete anos, mas não deve passar de quatorze. Talvez treze, ou até mesmo doze. "Uma criança" — eu penso. Os peitinhos infantis, despontando, meio tímidos, quase cobertos por um sutiãzinho de crochê azul-marinho. Peço-lhe que feche a blusa: dentro do carro não vai conseguir cliente. No banco de trás, essa criança. No banco da frente, a coadjuvante — cerca de vinte e cinco anos, magra, bonita, mas desprovida de charme — portanto, feia.
Dei-lhes carona por duas razões: primeiro, por serem mulheres, e, depois — por causa da chuva. Sinto-me Leonardo outra vez, principalmente quando me lembro do nome da "criança".
Depois de alguma conversa, olho para trás, e pergunto:
— Desde quando você faz programa?
— Faz tempo...
— Quanto tempo?
— Quase um ano — ela responde, sem me olhar.
Não sorri.
Fria como pedra gelada.
"Aspirante a profissional" — suponho.

Criança, em quase todos os sentidos. Perninhas frágeis saltando com audácia de potranca recém parida por baixo da saia azul curtíssima. Os gestos querendo, em vão, aparentar profissionalismo, certezas, naturalidade.
Ágil no olhar de felino, pulsando fagulhas de um falso fogo noturno, pequena, de poucas palavras. Certamente, ainda tentando descobrir o seu mundo.

Pergunto-lhe como escolhe os homens com quem transa. Me diz que não os escolhe: — aceita todos, desde que paguem pelo serviço. Não: nunca encontrou um bruto que a machucasse muito. Não: não pretende mudar de vida. Não: parou a escola na terceira série. Não: nunca leu um romance. Não: nunca teve um orgasmo. Também não: o namorado fugiu depois de ter matado uma mulher que "folgou" com ele. Não também: não pretende voltar a estudar: — "é muito chato..."

É a caçula de quatorze irmãos "por parte de mãe". E o pai tem mais sete com outra mulher...
— Vinte e um! — eu me espanto.
— Você é inteligente — me diz. — Fez o cálculo rápido...
E me sinto Leonardo de novo.
Rápido.
"Mas ela está perdendo seu tempo aqui", concluo. Devo deixá-la seguir sua vida. O destino talvez a aguarde na próxima esquina, para lhe pregar mais uma peça nesta noite chuvosa.
Resolvo lhe perguntar:
— Você faria um programa comigo?
— Claro, se você pagar... — ela continua sem sorrir.
Entre nós, pedaços de um destino transformado.
A novidade me excita.

Pergunto-lhe quanto cobra. Ela responde. Uma ninharia, eu acho. E me perco no que pretendo fazer.
Mas topo.
Peço para a feia (e muda) descer, e ela — "a criança" — passa para o banco da frente. Se tem pressa: não, "desde que a gente termine antes das cinco".
(Deve ser meia-noite.)
Vamos até minha casa, o porteiro me olha espantado.
Subimos.
Ela adora elevador.
Não: ela não toma licor. Não: não quer coca-cola. Não: nem sucrilhos com leite. Não: nunca viu um computador. Não: nunca leu poesia, mas tem um caderninho onde copia "versos". Não: ninguém já lhe fez uma poesia de amor. Não: também não está com fome. Não: não quer ver a lua.

Não quer nada.
— Só quer "começar logo".

Não sabe o que fazer com as diferenças que encontra pela vida, ainda lhe falta a perda da ingênua santidade.

— Quando é que você vai começar? — me interroga, sentada numa cadeira ao meu lado, enquanto digito uma poesia de amor.
— Já comecei — eu lhe respondo.
("Já começamos" — me corrijo mentalmente.)
Ela me olha com seus olhos de criança.
Criança profissional...
Não: nunca sentiu um perfume francês. Tento lhe mostrar o quão gostoso é o Fleurs de Rocaille, mas ela não se interessa. Não: não sabe onde fica Paris. Não sabe o que é o Louvre, nunca ouviu falar de Sartre, Camus, não sabe o que é mousse de chocolate.
— Espuma do mar também é muce? — me pergunta, curiosa.
Sim, eu digo. E então lhe peço:
— Posso ver os teus seios?

Ela desabotoa a blusa, desamarra o cordãozinho na nuca, desce o sutiãzinho, tudo com a maior naturalidade. "Não precisa tirar o sutiã" — eu lhe digo, mas acabo olhando de relance seus peitinhos delicados, frutinhas doces que eu bem poderia chupá-las agora, se fosse mais bruto e menos Nietzsche:

"Para naturezas orgulhosas, uma presa fácil é algo desprezível".

Enquanto amarra de novo a alça do sutiã, fico pensando: "Por que é que não posso fazer amor com ela, se é isso mesmo que ela faz? Por que não posso amá-la como nunca ainda foi amada? Por que não tocar o seu clitóris com o maior amor de que sou capaz, hoje? Por que não mostrar à lua sua nudez de criança inocente? Por que não errar outra vez?"

Ela termina de fechar os botões da blusinha, devagar, e continuamos conversando sobre a vida. Pergunto-lhe da sua, falo da minha. Dez minutos depois ela esboça um pequeno sorriso.


Explico-lhe o que é uma metáfora.

Mostro-lhe o "Beijo no céu da boca". Ela toma meu livro de capa azul nas mãos pequeninas, lança-lhe os olhos ávidos de coisas e letras, resmunga o que lê em silêncio. Balbucia. Parece que não acredita no que vê, nem vê aquilo em que acredita. Impuros porque alheios, seus lábios são finos nos dois sentidos, verticais absolutas que se movem para o nada.

Leio alguma coisa de Baudelaire em voz alta para ela.
— Que língua é essa? — pergunta.
Falo.
Depois traduzo, mais ou menos, e ela só diz:
— Bonito.
Tiro Vangelis e coloco um outro CD, ao acaso. Ela não consegue pronunciar "Bruce Springsteen" de jeito nenhum. Gosta da música Streets of Philadelfia:
— Bonita.
Cerca de vinte minutos depois, ela quase ri, ainda sem desgrudar muito os lábios um do outro.

Conto-lhe a história de Leonardo da Vinci.

Não: nunca foi a um museu. Não: nunca foi a um cinema.
E a conversa continuou assim.
Meia hora depois, essa criança maravilhosa dá uma risada, quase gargalha, com a boca cheia de chocolate, e os olhos brilhando de alegria. Mas, parece que mastiga os chocolates como se mordesse o mundo, tem dentes de amor para triturar desejos.
Quer saber das horas.
E outra vez me pergunta:

— Você não quer mesmo fazer amor comigo?
— Já estou fazendo amor com você! — respondo.
— Você é estranho...
— Eu sou diferente.
— Acho que você é louco... Nunca vi um cara assim.
— Sou diferente, porque meu amor é diferente: sou puro. Sou inocente.
Ela me olha, de soslaio.
Talvez não acredite. Nem deveria mesmo acreditar.
Levanta-se e lê um dos bilhetes pregados nas portas de vidro do terraço. Fica olhando as fotos. E diz:
— Quem é Fernanda? Tua namorada?
— Uma delas.
— Você tem muitas? — pergunta, sem parecer nem um pouquinho espantada.
— Muitas...
— Cada bilhete desses é de uma diferente?
— Às vezes algumas escrevem mais do que um — digo.
— Por que tantas?
— Porque sou "o maior amante do mundo" — brinco.
Ela sorri, senta-se novamente.
E me olha:
— Posso pegar um chocolate pro meu irmãozinho?
— Claro: a caixa é toda tua. Pode levar...

Naquele momento, tive uma enorme vontade de colocá-la no meu colo, e contar-lhe todas as histórias que sei de duendes e magos, e fadas e deusas. Cobrir o seu corpo com um lençolzinho branco de algodão, e fazê-la dormir nos meus braços repletos de amor.

Tive vontade de salvá-la toda de si mesma.


(Mas já não havia mais tempo.)

Na saída, dei-lhe uma blusa de lã, que era da Joyce Ann, e a levei até perto de sua casa, deixei-a na esquina, e paguei-lhe o combinado — embora ela insistisse em não receber.

E voltei chorando.

(Se fosse de outra forma, não seria tão bom. Se tivesse acontecido de qualquer outro modo, eu teria deixado de ser o maior amante do mundo.)

E foi assim que amei Mona Lisa:
— Como um Deus.

Monalisa Machado da Silva, era seu verdadeiro nome. Uma criança, meus amores. Fechem as janelas, e baixem as cortinas desse teatro absurdo que é o mundo.
Mas não me aplaudam.
Chorem também, se conseguirem.

Pode ser que nunca mais eu a veja. Mas, se um dia, por acaso, Mona Lisa tiver conseguido sobreviver àquela sua morte brutal, e crescer, e se, também por acaso, nos encontrarmos nos caminhos quebrados da vida, vou entregar-lhe o orgasmo divino — esse mesmo que ainda hoje guardo comigo — e que ela talvez tenha querido sentir naquela inesquecível noite de chuva em minha casa.

Talvez fosse o seu primeiro — ou até mesmo seu último.

O maior presente que eu poderia ter dado então a ela, mas que, por inocência, não pude.


Edson Marques.





Talvez eu mude o título para "O dia em que Mona Lisa sorriu".